segunda-feira, 26 de março de 2012

Até logo

Daqui a uns anos vou ter dificuldade em te fotografar mentalmente.

Deixo as coisas por aqui como se voltasses alegre e jovial com a boca cheia de beijos. Não consigo arrumar a tua água, a tua comida, a tua manta. Ainda não consigo. Dói-me sentar-me na cadeira
e não ter ver ali ao lado, partir o pão e não ouvir as tuas exigências que me faziam sorrir; não abrir a porta da rua dezenas de vezes ao dia transforma este espaço numa caixa de fósforos. Sentar-me no sofá e não ter quem tapar e aconchegar. Não fazer festas e pedir beijos…

Vou sorrindo com os farrapos de memória que me deixaste tão ternamente dentro do peito.
Vou deixar fotografias por aí para daqui a uns anos não amaldiçoar a memória por não me conseguir lembrar do contorno exacto e preciso dos olhos, do nariz, das manchas, da voz.

Ainda me consegues fazer sorrir!

Sentei-me ao lado da tua comida no outro dia e ali fiquei, perdida num tempo sem fim, como se estivesse a olhar para ti, a observar todos os teus movimentos e a imaginar o que estarias a pensar… o que seria que vias quando olhavas para mim, para nós? O que seria que sentias quando estava sol? O que meditavas quando, à porta de casa, demoravas infinitos minutos de olhos postos numa formiga? Tenho a ilusão que eras uma filósofa, que tecias o universo dinâmico e infinito com a simplicidade de um grão de areia. Tenho a certeza de que eras grande!

Foram dias de sol, dias de chuva, dias assim-assim. Com risos, com lágrimas, com sustos, com pulos, com sonecas, com olhos na vida, com comida na mesa, com biscoitos e muito pão. Foram dias no carro, na cama, na mesa, no chão, na rua, no jardim, no café, no largo da vila e à porta da escola.
Olhei-te com ternura e com saudade nos últimos dias. Enchi-te de mimos e amor, carinho, atenção e cuidados redobrados. Enchi a minha bagagem de memórias e agora levanto voo em direção a ti.


Até logo, amiga!



PS: Deixei a tua trela à porta de casa, para o caso de voltares.