sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Há dias em que não sei de mim


Procuro no chão, pela sombra, ou pelas montras o reflexo e não me vejo. Perdi-me. Perdi-me e não foi para fora que me espalhei, foi para dentro. Quando o coração bate com mais força e desconheço o eco estranho que entoa até aos meus olhos que se cruzam pelos reflexos. E não me acho.

Quando dou por mim, já não sei em que rua vou, ou em que vírgula estava a língua quando esta se desenrola para dizer o teu nome. Mas depois, quando entoam as tuas sílabas encontro-me no reflexo e invades-me tão completamente que entorno pela janela do mundo a tua expressão de espanto.

Estavas sentado na mesa da cozinha, esta manhã, quando te perguntei no que estavas a pensar. Tinhas um olhar de menino e, mais uma vez, apaixonei-me por ti… E caio no encantamento de te contemplar, de novo.

 Às vezes penso que é orgulho, isto que tenho guardado dentro de mim quando penso que sou tua. Outras, penso que é admiração pela ambição que tive em te encontrar. No fim, quando finalmente começo a descortinar todas estas coisas penso que não penso e sinto que só sinto.

Sinto que te amo, tão completamente que o universo inteiro desconhece a lei, a física e a razão.

 E depois de tudo isto, acho-me inteira e saio de casa com a leveza de quem é menina.

Achei-me.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Até logo

Daqui a uns anos vou ter dificuldade em te fotografar mentalmente.

Deixo as coisas por aqui como se voltasses alegre e jovial com a boca cheia de beijos. Não consigo arrumar a tua água, a tua comida, a tua manta. Ainda não consigo. Dói-me sentar-me na cadeira
e não ter ver ali ao lado, partir o pão e não ouvir as tuas exigências que me faziam sorrir; não abrir a porta da rua dezenas de vezes ao dia transforma este espaço numa caixa de fósforos. Sentar-me no sofá e não ter quem tapar e aconchegar. Não fazer festas e pedir beijos…

Vou sorrindo com os farrapos de memória que me deixaste tão ternamente dentro do peito.
Vou deixar fotografias por aí para daqui a uns anos não amaldiçoar a memória por não me conseguir lembrar do contorno exacto e preciso dos olhos, do nariz, das manchas, da voz.

Ainda me consegues fazer sorrir!

Sentei-me ao lado da tua comida no outro dia e ali fiquei, perdida num tempo sem fim, como se estivesse a olhar para ti, a observar todos os teus movimentos e a imaginar o que estarias a pensar… o que seria que vias quando olhavas para mim, para nós? O que seria que sentias quando estava sol? O que meditavas quando, à porta de casa, demoravas infinitos minutos de olhos postos numa formiga? Tenho a ilusão que eras uma filósofa, que tecias o universo dinâmico e infinito com a simplicidade de um grão de areia. Tenho a certeza de que eras grande!

Foram dias de sol, dias de chuva, dias assim-assim. Com risos, com lágrimas, com sustos, com pulos, com sonecas, com olhos na vida, com comida na mesa, com biscoitos e muito pão. Foram dias no carro, na cama, na mesa, no chão, na rua, no jardim, no café, no largo da vila e à porta da escola.
Olhei-te com ternura e com saudade nos últimos dias. Enchi-te de mimos e amor, carinho, atenção e cuidados redobrados. Enchi a minha bagagem de memórias e agora levanto voo em direção a ti.


Até logo, amiga!



PS: Deixei a tua trela à porta de casa, para o caso de voltares.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Doem-me as palavras

Orvalha o nascer do dia que escorre nas pedras da nossa rua,
multidões desorganizadas de palavras que deixei cair da boca
como caroços de cerejas que o pensamento manda fora,
roídos, gastos, mastigados.
O ultimo reduto do Verão.

Deito-as no chão,
as palavras de porcelana
contemplo-as demoradamente
como quem conta o número de moléculas dum cadáver.

Doem-me os acentos nos dentes.
As virgulas engasgam-me as frases que dispo à noite,
tomo o ponto com um copo de água
para passar a dor dos travessões nas sinapses.

Á espera estão as andorinhas
no céu dos olhos e na boca do silêncio.
Onde está a Primavera?
Sentou-se
nos degraus do tempo
na ânsia de chegarem as cerejas dos teus lábios.

Guardo na mão,
à espera que o vento venha folhear-lhe as entranhas
e espalhar o perfume da saudade das palavras.

No horizonte dobro o frio,
embrulho-o em pano de linho
bordado
com as iniciais das estações.
Deixo-o ao som do crepitar do lume.

Doem-me as palavras que se queimam no cair dos lábios.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fazes muito mais que o sol


Como segurar o sol na ponta dos dedos, abraçar-te é abraçar a vida, a humanidade inteira num romantismo exponencial de luz.


As noites são luas perfeitas entre copas de árvores que restolham numa breve brisa morna que os lençóis destapam a pele branca e escondem o azul que trazes no céu dos olhos. Um beijo teu é meloa doce que amarga o amargo da vida e enche de perfume todos os cantos da alma que espalhas com a electricidade das gargalhadas que ofereces ao mundo, como quem dá um sol novo todos os dias.


O colo... O colo é amar-te de todas as formas geométricas de espectros infinitos de cores em todas as posições e ângulos que a infinitude oferece nos teus cabelos de sol cheiro de mar e terra molhada, cetim dos vastos campos abertos e barafunda de peões a rodar.


Viver-te é a convulsão de todos os sentidos ao mesmo tempo na tempestade de morder tudo em menos de nada acompanhado por um chá de camomila ao por do sol, ao teu colo, como se fosses um capote em dia de inverno que enche a alma de dourado e transborda assim pela vida fora como um tapete voador de viagens no tempo.


É desculpa para ser inverno, pretexto para ser verão, nesta imensa primavera de viver onde as caducas outonais enchem as ruas de ternura.



É causa, consequência, razão e loucura.


É a vida em menos de nada.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Ensaio acusmático realmente concreto


Porque é assim, indizível como…


Porque é assim, inexplicável como…



Porque embora eu não saiba os mistérios insondáveis do universo, eu sei que acusmaticamente vive o eco perpétuo da tua graça na memória do meu sorriso.

segunda-feira, 30 de maio de 2011

Senta-te aqui


Fico aqui, a olhar… a sinceridade na ponta dos dedos que me abre a alma em fenda de luz e me acende sol na vacuidade de um universo que deambula.


Serena… a contemplar o cheiro da terra e tu, em todas as coisas da vida.


Fico aqui, a respirar… asas de melro pó de borboleta nuvens de mar o perfume do nosso jardim, e inspiro, no silêncio do sorriso menino, e volto aqui, para respirar os átomos das estrelas.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Espanto


Porque as palavras dão para abrigar o mundo e porque o tempo é somente mais uma dimensão porque os dias e as noites são lâmpadas na minha boca e o chão nuvens de açúcar porque os dedos são trigo maduro e o sorriso uma nascente porque os cabelos são cegonhas que poisam na palma da mão porque a tua alma me veste por inteiro.


E bastar-nos-ia ser borboleta.