sexta-feira, 10 de setembro de 2010

Branco corpo música

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Apeteces-me numa brancura lavada de uma cama perfumada; entre dois limiares de seda e o meu corpo emigrado no teu. Nas ondas do piano que entoa pela casa danço-te em claves de paixão e pautas de vida compassadas pelo tempo que não tem espaço para não ser.

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No interregno das cores respiro-te poeria celeste e pinto-te tatuagem na minha pele na moldura dos teus ombros.

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terça-feira, 17 de agosto de 2010

As coisas que ficam de pé

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As coisas que ficam de pé: os livros,

a cadeira, a chávena e a mesa do café,

o candeeiro que arredonda as horas e até

aquela borboleta que poisou no banco.

Tudo isso contrasta com a horizontalidade – esta

que me esmaga os ossos e os arruma num canto.

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E o Sol nasce e eu não me levanto.

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quinta-feira, 12 de agosto de 2010

Nem que viva eternamente

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Quem me dera não morrer para te perpetuar para sempre.

Chorar saudades de terra e nascer girassóis,

nascer rios de ternura e transbordar mares de estrelas.

Quem me dera não morrer

beber saudades e renascer.

Tricotar infinitos cachecóis,

embrulhar-me em lençóis,

beber as árvores e cheirar os rios

Comer a vida à dentada,

pendurar o mundo em fios

fazer marionetas penduradas paradas e velhas.

Fugir, correr, evaporar, sumir.

Sorrir, cantar, usufruir, amar, existir, apaixonar.

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Carrosséis inocentes lindos e reluzentes.

Algodão doce

sorriso na mão,

mão na cara,

beijo na boca.

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Quem me dera não morrer para te viver para sempre.

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...nem que viva eternamente...!

terça-feira, 20 de julho de 2010

Não bastará nunca

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“É claro que a vida é boa
E a alegria, a única indizível emoção
É claro que te acho linda
Em ti bendigo o amor das coisas simples
É claro que te amo
E tenho tudo para ser feliz
Mas acontece que eu sou triste...”

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Vinicius de Morais - Dialéctica

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Mete a mão no meu peito e espreita-me quando o silêncio me estrangula e quando faço força uma força tremenda uma força para ter força que me tira as forças…mas faço força para parir a força para ter força para te seguir.

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terça-feira, 6 de julho de 2010

Surdina de silêncio

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E o silêncio que deixas é aterrador compacto e pesado qual trave mestra que desaba com o telhado.

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E o silêncio que deixas para trás é compacto, ensurdecedor sem me deixar ouvir o que a janela deixa espreitar por entre as brumas cortinas da memória, fico estátua de pedra, suspensa nos fios que me trazem aqui.

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E o silêncio que deixo para trás quando regressas é amplitude que me afoga neste mar rodeado de terra.

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E o silêncio que trazemos nos olhos é plenitude de asas brancas.

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E não dizemos nada,

contemplamos a possibilidade que acontece

de braços caídos ao longo do corpo,

virados para as estrelas.

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quinta-feira, 17 de junho de 2010

Inocência (ou nem tanto...)

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No declive sereno rebolam os olhos pelos campos de ervas e flores encosta abaixo como quem se desliga e se minimiza ao ponto de vista de uma pétala. Deixa-se de se ser activo. Desliga-se o cordão umbilical e o telemóvel e transporta-se o presépio à inanimada experiência…

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Onde só as folhas falam, os pássaros voam e os rios cantam, no intervalo de cada milímetro e de cada segundo encontro-te tranquilamente vigilante. Lá, atrás do declive onde o tempo perdeu o relógio. Também tu paraste.

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Curioso… nascem ao mesmo tempo, filhos da mesma mãe – a discórdia...

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Vão nascendo… Partos difíceis onde a mãe, melodramaticamente, acaba sempre morta, e nós, os recém-renascidos, sofremos sempre deste amnésia retrógrada… Que conveniente!

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Ah!! Mas quando o tempo pára… quando o tempo deixa de ter sentido e os segundos se sentem latejantes na nuca, segundo a segundo, a fazer eco até passar um minuto… quando isso acontece… afogamo-nos numa enxurrada de imagens sequenciais, tristes por sinal, do que foi um parto – o nosso.

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Isto de renascer da memória faz-nos mais velhos.

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Mas note-se a beleza disto tudo, não é de todo o parto! Não, não! A beleza disto tudo é nascer de olhos fechados, de novo.

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Ensurdece-me o despertador e sussurro-te: "Bom dia de manhã!"...

terça-feira, 8 de junho de 2010

Psshhttt

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Apetece-me ser átomo
para te morder por dentro...
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segunda-feira, 7 de junho de 2010

Quero muito que sejas feio e cego.

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Quero muito que sejas corcunda, de verruga e de uma horribilidade monstruosa para que te possa amar só por aquilo que os meus olhos não vêm. Aliás, só assim te poderia amar, com todas as letras. Sendo tu o Feio.

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Eu quero ser linda como as Ninfas do Poeta, perfeita como as cornucópias celestes e magnifica como as constelações para que te prove que te amo, como inimaginavelmente seria alguma vez possível.

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Quero que sejas cego, para que não te ofusques com o brilho amarelo basso do corpo um dia morto.

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Quero que me mates, por favor. Quero sim, o apogeu da Loucura sentido nos teus olhos.

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Quero que me desfaças e me comas, canibal orgástico ritual, quando formos muito velhinhos.

Vou até escrever um testamento! Vou exigir que me comas. Cozinha-me. Corta-me às fatias Gourmet e marina-me; tempera-me com as tuas lágrimas salgadas e espreme-te. Inala-me os vapores e fuma-me com papel de arroz. Espeta-me um garfo de prata e às fatias finíssimas Nobres, corta-me delicadamente as coxas.

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Serve-me com um amo-te e morre comigo.

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